Stomatopoda
Maravilhosos terrores dos recifes e pérolas da evolução
O nome stomatopoda talvez seja desconhecido para a maioria das pessoas, mas para os admiradores da natureza, cientistas, biólogos e aquaristas, este nome é bem familiar e por estes são chamados de camarões boxeadores ou lagostas boxeadoras. Outros nomes incluem camarão louva-a-deus, rasga dedos, tamarutaca, etc.
Os crustáceos da ordem Stomatopoda são fascinantes animais habitantes das águas rasas tropicais ou subtropicais do mundo, sendo que a maioria habita os recifes de coral, praias e bancos arenosos, manguezais e regiões de recifes mais profundos nos mares. Outras espécies são encontradas nas águas subtropicais ou temperadas do hemisfério Norte e Sul e são representados por aproximadamente 450 espécies, as quais podem variar entre meros 10 centímetros até 45 centímetros de comprimento, sendo estas as espécies mais perigosas para o homem, pois um golpe pode causar um sangramento terrível e uma dor insuportável.
As tamarutacas são em geral carnívoras e se alimentam de uma grande variedade de seres marinhos. Vivem em tocas no leito marinho, em buracos entre as rochas e corais e tocas roubadas de outros animais, que costumam ser outras tamarutacas ou de caranguejos, peixes ou moluscos como polvos. Algumas espécies preferem a proteção das raízes dos manguezais, enquanto que outras preferem os bancos de areia no fundo marinho e águas muito rasas com menos de um metro de profundidade, onde escavam tocas muito profundas com complexos e longos sistemas de galerias, as quais armazenam água durante as vazantes das marés.
São também seres bastante longevos, podendo atingir até 20 anos já observados em algumas espécies.
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Gonodactylus glabrous |
As tamarutacas são bastante conhecidas também pelas suas lindas cores vibrantes e padrões cromáticos. Algumas espécies possuem verdadeiros arco-íris sobre seus exoesqueletos. Uma boa parte costuma apresentar tons fracos como marrom, cinza ou cores semelhantes, enquanto que outras espécies apresentam cores vivas como laranjas, amarelos, verdes, vermelhos, e mesclas de vária tonalidades como a tamarutaca pavão Odontodactylus scyllarus, que habita os recifes de coral das Filipinas e Regiões circundantes.
São apesar de sua aparência exótica e rara, bastante comuns, mas muito de sua biologia ainda é desconhecida pela ciência e só alguns poucos mistérios foram desvendados sobre estas fantásticas criaturas, embora as tamarutacas sejam antigos conhecidos da humanidade, pois os assírios, papuásios, pescadores africanos e aborígines australianos já as conhecessem e em seu tempo tivessem seus nomes próprios.
Ecologia, comportamento e alimentação
As tamarutacas são em geral criaturas bastante ativas durante o dia, embora algumas espécies possuam hábitos crepusculares ou noturnos, a grande maioria das espécies mantém-se ativas desde as primeiras horas da manhã até o pôr do sol. São criaturas muito ativas, mantendo uma vigia constante na entrada das tocas, as quais mantém em constante reforma, tirando bocados de areia ou conchas com suas patas dianteiras e limpando a mesma com um movimento rápido e contínuo dos pleópodes, que são estruturas semelhantes a nadadeiras que auxiliam na locomoção do animal. São animais pouco sociáveis, agressivos e com certa frequência são bastante violentos entre si e com outros animais. Eles raramente deixam suas tocas para se aventurar no mundo exterior, e se o fazem é para buscar um parceiro, enxotar intrusos ou capturar uma presa. Existem muito poucas espécies conhecidas por caçar suas vítimas ativamente.
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Gonodactylus smithii na entrada de sua toca |
No que diz respeito ao comportamento destas feras dos recifes, pode-se dizer que são seres muito agressivos e territoriais, não toleram a presença de qualquer animal próximo às suas tocas e se o fazem é por um tempo muito limitado. Peixes, caranguejos, polvos, ouriços dor mar, estrelas do mar, holotúrias e outras tamarutacas são imediatamente expulsas, mesmo que sejam apenas inocentes transeuntes. Geralmente investem com seu corpo e com velocidade sobre os intrusos, afastando-os ao assustá-los, mas outras vezes recorrem à violência, dando lhes golpes com as patas dianteiras modificadas e atordoando a estes.
Sua alimentação é majoritariamente carnívora, atacam e comem peixes, crustáceos, moluscos e qualquer outra classe de criaturas que possam capturar e matar. Para tanto a evolução lhes deu armas mortais as quais já falaremos. Estas armas mortais são patas modificadas na dianteira que servem para golpear as vítimas. Mas nem sempre as vítimas são golpeadas, pois por vezes são empaladas vivas e morrem em seguida. Estas patas evoluíram para a caça e são utilizadas para romper conchas e carapaças de animais como caramujos, caranguejos e mariscos.
Algumas espécies como o G. smithii apresentam ocelos nas estruturas modificadas para atacar, que servem como chamarizes para peixes e moluscos, especialmente para as lulas. Uma engenhosa tática de caça empregada por várias outras espécies.
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Odontodactylus scyllarus fêmea com ovos |
A reprodução destes animais é um drama, pois os machos que desejam cortejar as fêmeas correm sérios riscos de serem mortos e devorados por suas dulcineias. Os machos das maiores espécies se aproximam com muita cautela das fêmeas e esperam para que esta se torne receptiva, eles costumam mostrar suas escamas laterias, estruturas que portam padrões e cores, como um tipo de linguagem visual e então entra de vez na toca. O acasalamento dura poucos minutos ou segundos e logo após a cópula o macho deve fugir pela entrada da toca ou por um dos dutos secundários das tocas das fêmeas rapidamente, caso contrário será devorado. Após a cópula a fêmea cuidará dos ovos por algum tempo, mantendo-os limpos e livres de parasitas, e só então são liberados nas correntes.
Anatomia
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Télson de uma tamarutaca |
A tamarutaca apresenta uma anatomia comparável ao que vemos em camarões e lagostas. Possuem uma carapaça grande e muito dura que serve para proteger a cabeça e as primeiras articulações do abdome, logo apresenta na parte posterior uma parte segmentada coberta por duras placas de quitina e ao final apresenta uma nadadeira característica dos crustáceos, o télson, que nestes animais possui uma finalidade á mais do que somente ajudar na locomoção.
A carapaça que protege a cabeça, órgãos vitais e patas e membros mais frágeis é dura e muito resistente aos golpes de outras tamarutacas, especialmente nos indivíduos mais velhos, mas eles se tornam vulneráveis durante a ecdise, ou troca de pele, quando tornam-se moles e incapazes de se alimentar por algum tempo.
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Luta e posição de defesa de uma tamarutaca |
Os segmentos do abdome e o télson servem para o seguinte propósito: Quando estão prontos para uma disputa, uma tamarutaca enrola-se como se fosse uma pequena bola com carapaça e mostra o télson não como uma tentativa de amedrontar o oponente, mas como um escudo contra um possível golpe e então golpeia o inimigo. Se a luta não funcionar, um dos oponentes foge evitando algum dano sério.
Eles se utilizam desta mesta tática após serem atingidos por um golpe, encolhendo-se e mantendo as partes frágeis e apêndices sob a proteção do télson e esse "estado de choque" dura por apenas alguns segundos, logo após se recuperar, o atacado foge.
Vamos conhecer algumas das principais partes do corpo deste animal.
Apêndices raptoriais ou garras - Os apêndices raptoriais ou garras como são chamados comumente são na verdade as armas da tamarutaca. São as estruturas mais notórias e conhecidas destes seres e são divididas em duas categorias distintas: Lanças e clavas.
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Lysiosquillina maculata, um Spearer capturando uma presa |
As lanças, cujos donos são categorizados como spearers estão presentes em diversas espécies de tamarutacas e possuem a característica principal de apresentarem estruturas semelhantes a dentes ou espinhos afiados na parte interna, assim como as patas dianteiras do louva-a-deus. Estas lanças ou arpões servem para capturar as vítimas sem deixá-las escapar e as espécies que apresentam tais estruturas se alimentam especialmente de animais de pele escorregadia como peixes e moluscos principalmente. Nas maiores espécies como a Lysiosquillina maculata, a lança pode chegar a 8 centímetros de comprimento e ter até 13 afiados espinhos.
As clavas, cujos donos são categorizados como smashers são o grupo mais conhecido de tamarutacas. Seus apêndices raptoriais são adaptados para bater e quebrar coisas duras como conchas. Os smashers apresentam uma estrutura semelhante a uma clava com uma ponta extremamente afiada chamada dactilo, que serve para perfurar as vítimas e abrir conchas ou cascas duras.
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Estruturas raptoriais das tamarutacas. Spearer à esquerda e Smasher à direita. |
As smashers são estruturas consideradas brutais e os donos destes apêndices tendem a ser os camarões mais temidos dos recifes, por exemplo o Odontodactylus scyllarus, que é portador do título de mais rápido golpe do reino animal, com uma velocidade de aproximadamente 720 Km/h, ou seja, um pouco menos que a velocidade de aceleração de um tiro de calibre .22, além de o golpe possuir uma força descomunal de 60 Kg/cm². Um poderio indubitavelmente respeitável, que pode causar um dano considerável em um humano e morte imediata em presas de pequeno tamanho.
Ocelos - Os ocelos são estruturas localizadas nos apêndices raptoriais e possuem desenhos e cores vibrantes que se destacam, com rápidos movimentos uma tamarutaca pode atrair vítimas com uma visão aguçada como um peixe ou lula. Geralmente o ocelo é a última coisa que um animal verá durante o encontro com uma tamarutaca.
Escama lateral - A escama lateral é uma estrutura presente logo abaixo dos olhos e acima dos apêndices raptoriais. Servem como placas de distinção e identificação de espécies, além de uma clara forma de comunicação visual e gestual entre estes animais. Estas estruturas semelhantes a barbatanas apresentam uma característica incomum e extremamente interessante.
Por meio de câmeras especiais, descobriu-se que estas estruturas são capazes de refletir luz polarizada ambiente como uma forma de comunicação entre membros de uma mesma espécie sem serem vistos por predadores.
Olhos - Provavelmente são a mais fantástica característica destes seres. Os olhos destas criaturas, até o que se sabe são os mais complexos do reino animal... Sendo tão complexos e avançados quanto os olhos dos polvos e lulas, mais avançados até que os nossos. O seu sistema óptico segundo o que foi descoberto em pesquisas é desconhecido em qualquer outra espécie animal. Podemos dizer que estas criaturas apresentam um tipo de super visão, mas como é possível?
Primeiramente, os olhos destas criaturas possuem filtros naturais especiais que são muito sensíveis à Luz Circularmente Polarizada, algo que nossos olhos identificam como uma névoa ou mancha, e os molhos das tamarutacas possuem a capacidade de transformar a LCP em comprimentos de luz linear. Só para que tenhamos uma ideia de quão avançados são os olhos destes seres, apenas algumas câmeras especiais possuem esta capacidade de percepção. As tamarutacas já possuíam esta característica com uma vantagem de aproximadamente 400 milhões anos de uma contínua evolução.
Ainda mais incrível é que o corpo dos machos é um refletor natural de LCP, sendo assim ele se utiliza desse painel natural que é o seu exoesqueleto para comunicar-se com as fêmeas por linguagem visual e corporal e por mais incrível que possa parecer, é que os predadores como peixes e polvos não são capazes de ver estas demonstrações luminosas, pois seus olhos, diferentemente dos olhos das tamarutacas não podem detectar a LCP.
Os lindos e brilhantes olhos das tamarutacas são compostos, como os olhos das moscas e são compostos por milhares de pequeninos omatídeos, que suportam células de pigmento, células fotorreceptoras e células suporte. Nas diferentes espécies das famílias Gonodactylidae e Lysiosquillidae, a parte central os olhos possui seis fileiras de omatídeos modificados chamada banda central, e é onde acontece a mágica dos olhos desses seres.
Os olhos das tamarutacas possuem 16 diferentes fotorreceptores, são sensíveis aos raios UV e possuem também 10 diferentes pigmentos sensíveis aos diferentes comprimentos de onda luminosa, sendo que eles são capazes de enxergar inclusive infravermelho!
A imagem abaixo mostra a comparação entre a capacidade visual de uma tamarutaca e a limitada capacidade visual humana.
Tais adaptações ao longo da evolução destas criaturas e qual a necessidade destas criaturas de enxergar tão bem o mundo à sua volta intriga os cientistas e deixa dúvidas, mas os cientistas tem algumas pistas sobre os usos destas capacidades visuais, que vão além da camuflagem e comunicação silenciosa e invisível entre membros de uma mesma espécie.
Algumas das presas favoritas das tamarutacas do Pacífico são camarões pequeninos e quase invisíveis, chamados camarões de areia e os camarões de vidro, cujos corpos translúcidos são extremamente difíceis de observar contra a luz e ainda mais difíceis de ver debaixo da água, mas eles tem um tendão de Aquiles, pois seus corpos são cobertos por açúcares que refletem a luz polarizada, tornando-se alvos fáceis para as tamarutacas.
Como se tudo isso não bastasse, os olhos das tamarutacas podem mover-se independentemente uns dos outros como os olhos de um camaleão, dando-lhes uma vantagem sobre os predadores, pois enquanto ela vigia um lado, o outro olho busca por comida. Uma visão de praticamente 360°.
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Lysiosquillina glabriuscula |
Outro fato que chamou a atenção dos pesquisadores de uma universidade estado-unidense em 2008 foi a capacidade de fluorescência destes animais. A fluorescência é a capacidade de um animal de absorver uma luz de uma determinada cor e transmiti-la em outra diferente. A espécie em questão foi um exemplar de Lysiosquillina glabriuscula, que possui manchas amarelas em sua carapaça e abdome e é capaz de fazer com que estas manchas amareladas fluoresçam a 30 metros de profundidade no mar, sendo que a tal profundidade a cor amarela torna-se indistinta e azulada.
Fonte - National Geographic, IUCN, Phys.org